quinta-feira, 15 de março de 2018


Saiu na Revista Caliban de 2018/3/14 a minha recensão do último livro de Antonio Praena,
ver aqui:  https://revistacaliban.net/a-realidade-concreta-e-o-transcender-em-antonio-praena-76c63cd30cae   .
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ou aqui:
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A realidade concreta e o transcender em Antonio Praena

Antonio Praena
Historia de un alma
((XXVII Prémio de Poesia Jaime Gil de Biedma)
Madrid: Visor Libros, 2017

  

    Ao paradoxo do comediante de Flaubert, Marguerite Yourcenar virá acrescentar o paradoxo do escritor. Entendemos aqui por paradoxo a afirmação de duas proposições que entre si se contraditam, mas que são ambas verdadeiras naquilo que predicam relativamente a dado sujeito. Assim, o escritor para poder falar de algo teria de estar próximo daquilo de que fala, mas, por outro lado, só distanciando-se do seu objeto poderá dele falar com acuidade. Penso, contudo, existir também um paradoxo da Obra, já que para a analisar na sua completitude e dela ter uma visão integral ela basta-se a si própria, todavia, apenas conhecendo os diversos  circunstancialismos de que essa mesma Obra emana é que poderemos ter a asserção abrangente e plena daquilo que ela é. Eis o paradoxo! Este último aspeto posso aplicá-lo ao mais recente livro de Antonio Praena (Historia de un alma. Madrid: Visor Libros, 2017), que pode ser entendido naquilo que em-si única e exclusivamente diz, mas, e paradoxalmente, só pode ser cabalmente apreendido se o integrarmos em todo um continuum que é a produção poética deste autor.
     No que diz respeito à primeira parte do paradoxo, diremos que Historia de un alma é um olhar, simultaneamente deambulante e peregrinador, sobre um real concreto com as suas pestilências, hábitos e mazelas morais. Antonio Praena, envereda aqui por uma narratividade segura e marcada por fortes tonalidades realistas, através das quais a palavra poética é utilizada como um bisturi que escalpeliza valores e modelos comportamentais da contemporaneidade, alguns dos quais ligados ao submundo (“Pero todos danzamos/aunando en comunión el albedrío/de este enjambre de putas y de chulos.” p.19; “También las marcas deportivas;/adoramos sus signos,/la aérea precisión de su diseño/ (…) Toda felicidad aspira a lo palpable.” pp.50-51). Contudo, estes matizes realistas não se perpetuam no gratuito e obsceno, embora caracterizem, eles também conduzem às falhas e limitações deste universo retratado, remetendo igualmente para a sua superação numa abertura que o redima e transcenda (“También yo soy testigo de mi tiempo,/un alma colectiva, tan solo que sin drama./Todos vosotros estáis muertos/en medio de esta orgía inacabable,/porque nadie os espera/al final de la noche. p. 76; “Llegas a ningún sitio/sabiendo que el camino se ha borrado,/pues no hay nadie al origen/ni nadie a la llegada. p.80).
    Abordando agora a segunda  vertente do paradoxo já referido, poder-se-á dizer que as inquietações e o espanto do mais recente trabalho de Antonio Praena se encontram já, de um modo ou de outro, em potência ou em ato, nos seus livros anteriores (“Obsceno y transmigrado, alguien que tiene/mis alas vuela ébrio en la pantalla/de alguien que no es alguien y hace mito/la carne que le doy por la web-cam.” In Yo he querido ser grúa muchas veces. Madrid, Visor Libros, 2013, p.54). A constatação da insuficiência do universo enfatizado nestes livros, bem como a necessidade de a transcendentalizar, ressalta exatamente, em Yo he querido ser grúa…, nos poemas Kénosis (pp.24-25) e Grúas (pp.40-41), embora  também possa ser detetada em Poemas para mi hermana (Madrid: Ediciones Rialp, 2007): “Fuiste tú,/mi hermana única, tú fuiste/quien en mis ojos solitários puso luces/que tengo en este mundo ya perdidas.” p. 33).
    Vemos, portanto, que Historia de un alma de Antonio Praena não é passível de uma leitura, que, na obliqua, adquira de forma redutora interpretações exclusivas de cariz sociológico e/ou da psicologia social, é, sobretudo, o radiografar de um mundo, que, à beira do abismo, aponta para uma dimensão outra que o resgate e o torne sadio e autenticamente habitável.
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© Victor Oliveira Mateus in Revista Caliban, 2018/3/14.
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