sexta-feira, 9 de março de 2018


na incerteza do amor, o que nos resta é um corpo à
chuva, no centro do aluvião, como uma catedral desfeita
de papel, um movimento invisível, desmontando o
cantar da solidão, para nos dizer que o dicionário cegou
sobre esta tristeza, que não há palavra que chegue a casa
e substitua o lume: o que nos resta é uma aliança na arca
que ficou por encher, um mistério que nunca tapou a
sede ao crescer do desejo, uma taquicardia por tirar da
gaveta, um céu tão subido, e a coroação das rosas, como
redenção do inverno. na incerteza do amor, o coração
dobra-se num precípício, um soluço, portanto, como
travessa de pedras encalhada, entre o esquecimento
que espera e a boca que arrefece, um poema devastado,
um relógio triste, um piano avariado, caindo para
dentro, como míngua concentrando o silêncio.
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. Gonçalves, Daniel. Pequeno Livro de Elegias. Lajes do Pico: Companhia das Ilhas, 2016, p 33.
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