sábado, 11 de março de 2017


               "No Terreno"


Foi por altura das ervas altas e dos arraiais.
Eu via-te outra vez ao fim da tarde e tudo se apagava
à tua volta, os acidentes terrenos, as montanhas do passado
e do futuro. Por tua causa eu andava contente
nas ruínas, fazia as pazes com o tempo perdido.

Na estrada à meia-noite o asfalto era morno, os grilos
estavam todos a cantar dentro do céu. Já não sei dizer
o muito que esperei de ti, os serões eram pródigos
e tinham os braços imprevistos de um fractal.

Fumavas dos meus cigarros, falavas da vida que tinhas
a milhares de quilómetros dali. Na minha própria
e exclusiva escuridão, eu já só existia para ti.


  Cabral, Rui Pires. Morada. Porto: Assírio & Alvim, 2015, p 55.
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