terça-feira, 17 de janeiro de 2017


     O "D. Pedro V" de Maria Filomena Mónica acaba de me fascinar pela forma rigorosa, criteriosamente doseada e nada enfastiante com que articula História Política, História Sócio-Económica e História Cultural. Não sendo as duas últimas as mais abordadas na obra, não por opção ideológica da obra, mas porque a cadência das mutações nessas áreas, atávicas e sonolentas, não aparecem como significativas. O mesmo não sucedendo com a História Política: período de convulsões sistémicas e sistemáticas o reinado de Maria II deixa ao filho um período de bonança, mas no qual a intriga política se mantém e é aqui que Maria Filomena Mónica é magistral: no bisturi com que escalpeliza personalidades e comportamentos da época: o sonso e intriguista Saldanha, o sonolento e negligente Loulé, o ambicioso e ousado Fontes, o passa-pelo-intervalo-da-chuva Aguiar, etc. Contudo, é sobre a figura de Pedro V que a análise psicológica atinge o ponto máximo: simultaneamente sarcástico e exigente (relativamente ao irmão, futuro Luís I), apaixonado e frágil (para com a mulher)... Pedro V fez-me lembrar as várias visões de Luís da Bavieia, sobretudo na versão de André Fraigneau: um rei marcado pela solidão, demasiado sério, lúgubre, crítico em relação aos políticos, que tanto lhe haviam feito sofrer a mãe e em relação à leveza do pai. Razão tem Oliveira Martins quando diz que os Braganças haviam acabado com Maria II, com Pedro V - e a partir dele - é outro ramo que surge: os Saxe-Coburgo Gotta. Aliás, a política internacional não escapa à análise de Maria Filomena Mónica e são inúmeros os excertos de cartas entre o rei e o tio, o marido da rainha Vitória, que constantemente o aconselhava nos mais diversos assuntos. Pedro V era um homem só, o breve casamento com uma rainha que morreu prematuramente... e virgem!, deixou-o ainda mais marcado pelo desalento: avesso à intriga política, fortemente empenhado no desenvolvimento do país (caminhos de ferro, estradas,, escolas, uma ousada reforma eleitoral, etc.) pelo qual luta com unhas e dentes, mas que um país miserável e repleto de intriguistas retarda o mais que pode. Razão tinha também Eça de Queirós, que, numa das suas "Farpas", diz que o jovem rei viveu antes e depois do tempo: depois do tempo, porque se tivesse sido um rei absolutista teria levado o país para a frente passando por cima das tricas políticas, antes de tempo porque se tivesse sido um republicado teria também levado o país para a frente. Pedro V é uma personagem trágica - o único dos Braganças a quem Guerra Junqueiro, no seu "Pátria", não arrimou os dentes - um homem ávido de progresso tecnológico e sócio-cultural para o seu país, mas um ultra-romântico na forma de entender as mulheres, as relações interpessoais e de traçar o seu próprio destino. Maria Filomena Mónica, não sendo da área das psicologias, é magistral a desenhar o retrato da alma de um jovem melancólico, que aos 20 anos observava, analisava e escrevia como poucos; que não podendo governar inundava os vários governos com missivas e recomendações e, quando "a feira já não se aguentava" demitia os próprios governos. O que sempre me impressionou nesta figura, foi a enorme sabedoria de um jovem que acaba por morrer aos 24 anos. Uma personagem assumidamente romântica!

Foto de Victor O. Mateus.