domingo, 3 de julho de 2016


   "  9. Poética do voo  "


Para onde quer que decidam
rumar os meus desejos, sempre
me acompanha este infeliz defeito
de fabrico: desejar ser, como toda
a gente, não real, mas livre e certo.
E, mesmo que quisesse, não saberia
explicar tão insensato devaneio.
Imaginem só:
um inofensivo esboço inanimado,
sucumbindo perante a desmesurada
ambição de querer voar.
Sobrar-me-ia de amarras invisíveis
e, em diáfano véu me camuflando,
ensaiaria as mais empolgantes evasões.
Em voo destemido,
porém com mil e um cuidados,
passaria a pente fino
os recantos deste teu
pobre mundo tão coitado.
Tudo com o máximo das cautelas,
para não incorrer em escusados sobressaltos.

O risco dos princípios,
do ardor,
da distância aqui ardendo.


  Soeiro, Ricardo Gil. Poema 9 do Volume "Da Vida das Marionetas, Para uma Dramaturgia do Corpo Inanimado" in Palimpsesto. Porto: Deriva Editores, 2016, p. 23.
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