quinta-feira, 7 de janeiro de 2016


   O amor é um compromisso da alma, tal como a ética; a alma deixa de se pertencer na mesma medida, já não é tão livre como quando ainda não amava. A tarefa ideal apresenta-se então exactamente como face à ética: a limitação da liberdade deve ser sentida como a liberdade superior, o que chega ao eu do exterior como uma exigência determinante deve ser entendido como uma expansão do eu. Sem dúvida que devemos repetir as palavras que o imperativo ético e o amor nos sopram, mas somos nós próprios os poetas que escreveram o que por um e outro nos foi ditado. Só há duas maneiras de ver a liberdade e a limitação da liberdade como uma só coisa: ou a determinação imperativa deve brotar do eu, ou o eu deve brotar dela. Ou o nosso eu é a instância realmente produtiva e autónoma e chega à sua plena expressão na ética e no amor, as suas exigências são as formas ideais do seu ser, que lhe resta preencher com a sua realidade; ou então estas últimas pertencem a um reino metafísico do qual o nosso eu é a irradiação, ou talvez apenas o meteco.

   Só o ser que ama é um espírito realmente livre. Pois só ele enfrenta cada fenómeno com essa capacidade ou essa propensão para tomá-lo, para apreciá-lo tal como ele é, para ver plenamente todos os seus valores, que não é limitada por nada de anterior nem de preestabelecido. O céptico, o espíirito crítico, aquele que em teoria é despido de preconceitos comportam-se de maneira diferente. Sempre notei que esses tipos de homens, com medo de perderem a sua liberdade, não oferecem um acolhimento realmente independente de tudo o que é exterior e que requer sempre um certo abandono ao fenómeno. O homem que ama é aquele que não se deixa entravar na relação interior com o outro - como, na prática, só é observável nas pessoas violentas. O ódio não é tão livre em relação aos valores positivos dos outros como o amor, pelo seu lado, em relação aos valores negativos.

  Simmel, Georg. Fragmento sobre o amor e outros textos. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2004, PP 144 - 145.
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