terça-feira, 15 de dezembro de 2015



   Desde os sermões de juventude, existe uma unidade profunda no pensamento de António Vieira. Antes de mais, a sua funda religiosidade católica. Padre António Vieira não é o "político" e o "vidente" enquanto aspectos distintos da sua doutrina, mas o "político religioso" e o "vidente religioso", já que a sua visão do escravo negro ( a "teoria do resgate"), a sua visão da conversão do índio, a sua visão da história e do Império de Portugal e da Europa, possuem o selo bem distintivo da sua religiosidade católica. Todas as imagens presentes nos seus sermões possuem o distintivo do sagrado e manam desse âmago sem fundo que é a Bíblia. Todo o elemento e todo o alimento e toda a finalidade da sua vida residem no sagrado. Como teólogo, o anúncio e a interpretação da palavra de Deus constituem o sentido filosófico da sua vida e, como sacerdote, toda a sua existência foi uma plena entrega à mensagem de Cristo. Outra característica fundamentadora da sua vida e obra reside no seu estreme nacionalismo ou portuguesismo, apenas amaciado nos últimos anos de vida na Bahia, tempo de amadurecimento da escrita de Clavis Prohetarum. Vieira estatui a história de Portugal como o novo instrumento divino redentor dos vícios, defeitos e perversões da humanidade, anunciador de uma nova idade de paz, concórdia, justiça, abastança (o suficiente para todos) e amor, ou seja, o Quinto Império do Mundo. Assim, o seu nacionalismo, unido à sua vincada religiosidade, presta consciência e consistência ao seu providencialismo messiânico. (...) o cerne do discurso vieirino, até cerca dos últimos anos de vida do autor, reside na confluência entre o fervor religioso do sacerdote e missionário jesuíta e a elevação de Portugal a nação eleita por Deus, estatuindo os portugueses como segundo povo eleito da História Universal.
   Assim, providencialismo e nacionalismo contribuem para estatuir este século como o mais espiritualista dos séculos portugueses. Num jogo de espelhos reflexos, o espírito nacionalista português consolida-se por via da profunda humilhação nacional ( o decadentismo) sofrida com a perda da independência e o providencialismo como visão grandiloquente superadora da mesma. Ambos retratam um Portugal pela primeira vez culturalmente divergente com Espanha. Nasce neste século um Portugal paralelo à Espanha, que olha para mais longe - a França, a Inglaterra e a Holanda -, considerando tanto o vasto território espanhol como a política de Madrid obstáculos ao seu sucesso europeu.

   Real, Miguel.  Nova Teoria do Sebastianismo. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2014, pp 64 - 66.
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