sexta-feira, 4 de dezembro de 2015


   Yves continuava a rir enquanto descia os Campos Elísios, não com um riso amargo e forçado, mas com um riso franco, que obrigava os transeuntes a voltarem-se. Tinha soado o meio-doa... Era madrugada quando subira os degraus da estação de Orsay. (...) Não tinha mais do que um esgotamento: nunca o objecto do seu amor lhe aparecera tão ridículo, tão fora da sua vida, tão reles, tão sujo, tão findo! E no entanto o seu amor subsistia: como uma mó que tivesse girado no vazio... girado... girado...
   Terminara o riso. Yves concentrava-se nesta estranha tortura do vácuo. Vivia esses momentos que todo o homem que tenha amado conhece, com os braços sempre apertados de encontro ao peito, como se não tivesse desaparecido aquilo que abraçava, apertando efectivamente, e sem exagero de expressão, o nada.
   Naquele meio-dia de um Outubro morno, sentado num banco do Rond-Point dos Campos Elísios, o último dos Frontenac não conhecia outra direcção na vida do que a dos Cavalos de Marly... Uma vez ali não sabia se iria para a direita se para a esquerda ou se até às Tulherias entrando na ratoeira do Louvre.
(...) Voltar atrás quando as forças estão no fim? Refazer todo o caminho? Que ladeira tão íngreme! E para realizar o quê? Yves errava pelo mundo liberto de qualquer trabalho humano. Nenhuma tarefa lhe exigiam, visto que acabara antecipadamente o seu dever, visto que adiara a sua cópia para ir brincar. Não tinha outra ocupação que não fosse anotar dia a dia as reacções de um espírito totalmente inocupado...
   E nada mais poderia fazer e o mundo nada mais lhe pedia.


   Mauriac, François. O mistério dos Frontenac. Lisboa: Editora Ulisseia, 1956, pp 204 - 206 ( Tradução de Luís Forjaz Trigueiros).
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