segunda-feira, 16 de março de 2015



  "Pássaro em queda num lugar sagrado"




Naqueles dias
vimos o pássaro em queda
num lugar sagrado
Voou com asas todas brancas
e uma cauda como leque de sol
Vimos o remoto relâmpago
o susto do baque
nos vidros mais comuns
a morte, ilusão de transparências
Abandonou outras imagens
idênticas asas perdidas
a glória fulminada
o risco do sangue


E vimos a inspiração do quadro
os homens e as mulheres
num canto do mundo
respirando a luz
como se fosse o silêncio inteiro
Contemplavam depois a própria cegueira
prisioneiros de um pó dourado
com os pés enleados em raízes
do mesmo vermelho vivo


Ficava ao largo
o sacro pescador
absorto na troca das marés
um sifão turvo de peixes
espelhos de espelhos
Prende nas suas redes
o ar da tempestade
lança-as sobre o vazio
o mais submerso mar




   Silva, José Manuel Teixeira da. Música de Anónimo. Lajes do Pico: Companhia das Ilhas, 2015, pp 35 - 36.
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