domingo, 14 de dezembro de 2014



Nunca digas amor,
sem saberes que os vermes
nascem na ressaca do paraíso.
O tempo tem essa essência de falésia,
fazer do céu
o ígneo chicote para as lágrimas.


Já imaginaste o tecto a descer os degraus,
a entrar-te pela cidade
com pálpebras esmagadas?
O cume a ser o solo?
Pisas então essa palavra
que dizia alucinações aos órgãos.
Muros como se fossem as teclas magnólias.


Escreveste com a língua tantas coisas,
imitaste com ela as ondas.
O mar cabia na boca sem margens.
Às vezes,
largas planícies demoravam fábulas na saliva.
Os beijos realizavam as aves.
E depois dos beijos,
as facas prometiam dias capazes de palácios,
fidelidade sem vento,
ouro com lisura infantil.


O ferrão é o testemunho tardio do mel.




  Pereira, Alberto. Poemas com Alzheimer. Lisboa: Glaciar, 2013, pp 42 - 43.
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