domingo, 5 de outubro de 2014




sob o gesso dos olhos o desespero coagulado, o mistério rastejando nas barras da sua sobrancelha, um comício de dúvidas revestindo o vitoriano manto da incompreensão, mas são assim as coisas não sorvidas pela goela da vista, as invisibilidades tardias, mesmo o vento só é plenamente vento quando se revela por meio da poeira, ah, tomés, ah, helena, este nosso mundo é uma espessa cratera de inexistências, da qual nos desviamos com as córneas empoladas de medo e arrogância. preferimos a companhia dos retardados, das prostitutas, dos aleijados, porque podemos olhar em sua direção e conjecturar ou mesmo dizer: eu os perdoo. do mesmo modo, odiamos o patrão, os mais ricos, os mais poderosos, porque nos encaram lá de cima, empunhando transbordantes cântaros de indultos e cuspes, miram nossas cabeças e nelas entornam a saliva da compaixão.
é o poliéster dos seus braços, o nylon dos peitos, as fibras do tronco, a tinta da boca: esta nova você, helena, que encomendei on line numa dessas páginas de manequins. e é com ela que o bolero das deformidades afocinha o favo da sala, enquanto os alto-falantes espezinham a quietude do nosso amor, o clarim gagueja nos confins de meu entendimento e potestades vaticinam a afinada bitola de seus ardis.


  Fraga, Whisner. abismo poente. São Paulo: Ficções Editora, Ltda, 2009, pp 26 - 27.
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