quinta-feira, 31 de julho de 2014





                           "   19.   "




eis-me infinitamente a contar as vozes da terra mesmo
quando disse que nunca mais te escrevia escrevo-te sempre
na dilatação do ser mais dentro e ser mais próximo em
simultâneo cair de pássaros como organza e prata como
bronze e céu como água nos teus pulsos caídos. sou ainda
deste tempo mútuo e consentido e em tudo te acrescento
e te rendo vivo. como restritíssimo fluxo que é veredicto
e admirável dizer outra vez a vez de voar. infinitamente.
andámos emergentes sobre a espada e sobre o fogo. eis-nos
milésimos sem lugar. elejo-te margem de mármore. solto
o passo e alcanço-nos a medida dos monges que é sempre
austera e motim de sombras quentes. perplexas e proféticas.


(...)




                 "   21   "




e resta saber se apenas o tempo foi jogo ou estremecimento
ou banquete ou rasura. resta o conceito a carta a espera
o banco os dentes cerrados e o caminho expectante. de
preferência distingo os séculos da luz indecifrável e de
todo o exílio. há um assombro a lavorar o esforço da
chegada que não chega. e das partidas que nunca o foram.
resta apenas saber se é puro o timbre e doce a queda
dos dias. ou se a invencibilidade é um oráculo lacrado a
sangue.______________________ resta todo o inesperado
das dependências e do sangramento da sombra. somos
pouco nesta margem da vida que de auspicioso tem só a
inversão e o esforço de um evangelho destroçado.




   Ferreira. Isabel Mendes. O tempo é renda. S/c.: labirinto de letras editores, 2014, pp 32 - 35.
.
.
.