domingo, 25 de maio de 2014





- Eu? - faz a Barbie piscando a coroa - Eu nada. Por que é que perguntas? Eu só conheço mulherio, só trabalho com mulherio, só vejo mulherio. Nada acontece na minha vida senão mulherio.
- Podias usar o teu mulherio lá do Quartel para alguma coisa - disse o Joca para a Barbie. Levantou-se como se fosse atiçar o fogo, depois lembrou-se que naquela casa não havia lareira, e limitou-se a deitar mais coca-cola no copo de whisky. - Podias escrever um romance pimba qualquer daqueles em que elas encontram Homem e são muito felizes para sempre.
- Não me parece que tenha muita experiência nesse campo - gemeu a Barbie.
- A experiência é o que menos interessa. Além disso, não me digas que no harém não há nenhuma com uma história interessante que possas sacar.
- Não me parece - disse a Barbie. - Assim de repente, a Susana é casada há 25 anos com o mesmo marido, tem dois filhos feios como breu e visões, a Joana é divorciada porque descobriu o marido na cama com a melhor amiga, a Lúcia está tremida com o namorado porque de mês a mês ele se apaixona por outra pessoa que não ela e ela se apaixona por outra pessoa que não ele, mas não tem coragem de o deixar porque ele já é uma pessoa da família e atão farta-se de dizer que há várias maneiras de amarmos as pessoas (...) a Sandra dorme com um gajo que tem namorada e não deixa a namorada e ela tudo bem, e a Mariana teve dois filhos de um gajo que depois lhe deu um chuto... Continuo?
- É o pior que se pode fazer, ter um filho por causa de um homem - diz a Ana Sofia com ar pensativo. - Um gajo que depois de amanhã nos dá um chuto, ou como diriam as nossas avós, um chute, e até pode continuar a ser um amor de pessoa e a ir connosco aos ciclos de Fellini da Cinemateca mas o facto é que lhe deu um chute e mais à criança. Ter um filho por causa de um homem é mau, agora ter dois filhos por causa de um homem, é excesso de zelo. Ainda se fosse dois filhos por causa de dois homens, enfim, ainda haveria uma certa lógica matemática, embora continuasse a lógica da batata, agora repetir o mesmo CD sem ganhar sequer uma faixa de bónus, é muito mau. Ainda se fosse ter um filho por causa da mãezinha que está a morrer e gostava de passar a mão pelos cabelos de mais uma criança na família, ainda se percebia. Ou se fosse pelo pai, igualmente a morrer e que gostaria de ver um neto com o seu nome, José Manuel Xoninhas, para prolongar a nobre família Xoninhas, ainda se percebia. Agora por um homem...


  Fonseca, Catarina. O Clube das Encalhadas. Lisboa: Editorial Caminho, 2006, pp 136 - 138.
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